quarta-feira, 25 de março de 2020

Rémi Courgeon


Endireita-te
Texto e ilustração
Rémi Courgeon
Tradução Maria Afonso
Revisão João Berhan
Edição Orfeu Negro
SINOPSE

Adjoa, endireita-te! Em Djougou, para que uma menina cresça, põem-lhe coisas na cabeça: café, feijão, bananas, sonhos, jerricãs e até segredos difíceis de guardar.
E é de dentes cerrados e cabeça erguida, como lhe ensinaram, que Adjoa nos diz como foi pesando cada objecto, cada gesto e sentimento, desde pequenina a crescida.
Uma história contada em jeito poético e inusitado, que nos mostra como se podem transformar objectos de dor em actos de amor.

Fonte: Wook


Adjoa viveu a infância a escutar uma e outra vez o imperativo: “Endireita-te!” Pela voz da mãe, da avó, das tias. Logo no arranque do livro ficamos a saber porquê. “Aqui, em Djougou, para que uma menininha cresça, põem-lhe coisas na cabeça.

Coisas que ela não pode deixar cair e que tem de erguer para o céu. Quanto mais ela cresce, mais pesadas são.”
A protagonista enumera muito de quanto transportou, “sempre de dentes cerrados e cabeça erguida”, de alimentos a ferramentas, de sabões a chinelos, de esperanças a desilusões. E água, muita água. “... porque dantes não havia ao pé de casa. Água para beber, água para lavar coisas, água para cozinhar. Tanta água que dava para fazer um oceano. Agora, sorte a minha, a água corre das torneiras. O meu filho mais velho instalou-as cá em casa.”

Adjoa conta-nos como as meninas da aldeia brincavam ao Quanto-Levas, com a balança da vizinha Fifamé. Tentavam adivinhar o peso do que traziam à cabeça. Quem perdia tinha de ir buscar a água, quem ganhava tinha direito a um penteado novo.
“Tornei-me imbatível. Falhava só por dez gramas. E andava sempre bem penteada.”
Rémi Courgeon, escritor e ilustrador francês, retrata com sensibilidade um quotidiano duro, sem deixar de vislumbrar alegria e esperança na vida destas crianças que desde cedo asseguram a sua sobrevivência e a das suas famílias. As cores, as figuras, os padrões e outros elementos reportam-nos com vivacidade para África.

O talento da protagonista em aquilatar os fardos valeu-lhe — já “mulher-girafa (...) de tanto olhar o céu” — a descoberta de uma arma entre as tábuas que um homem lhe disse para transportar, “tinha cara de javali, mas não pagava mal”. Adjoa haveria de transformar o revólver num martelo (com a ajuda de um escultor, que a encheu de chumbo líquido) e de se enamorar pelo destinatário da arma. “Agora, partilhamos a nossa vida. Há quase trinta anos. Sobre a grande asneira que ele teria feito, guardamos silêncio. Deve permanecer em segredo.”

Edu, o filho mais velho de ambos, conta-nos já no final: “Edu, endireita-te! Quantas vezes na vida ouvi eu esta frase, esta canção? Quantas vezes a minha mãe ma cantou? Ela tem torneiras em casa, tratei eu disso.
Água na cabeça já não é com ela. Só nos dias de chuva, claro.” Difícil terminar de ler o livro sem ter água nos olhos.
Escrito por: Rita Pimenta

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