Natal à porta. E eu, minhas amigas,
doces espigas deste meu trigal,
queria dar-vos, sim, ofertar-vos broas,
que são tão boas cá em Portugal.
Mas, como sabeis, a maldita Guerra
lavra na terra, tudo leva após.
Açúcar levou, levou a canela...
Broa que é dela? Que é dela a filhós?
No Porto busquei, busquei em Lisboa;
não vi uma broa, sequer rasto destas.
Desculpai-me pois se eu dou, neste dia,
não que devia, mas só boas festas.
Diário, de
Sebastião da Gama
-Edição completa e anotada
(Editorial Presença, 2011)
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Texto de João
Reis Ribeiro com supressões.
Nas férias escolares de Natal de 1949, Sebastião da Gama (com
25 anos, exercendo funções docentes nesse ano letivo na Escola Veiga Beirão, em
Lisboa) registava no seu “Diário”:
“O maior calor do meu Natal vem-me das Boas-Festas dos meus
rapazes. Não foram os seus cartões — alguns tão belos! Todos para o meu
coração, tão belos! …
Razões apontadas para este desconforto ultrapassado pelas
mensagens chegadas dos seus alunos eram várias: a vida dos pais muito ocupada
nessa altura (o trabalho que tinham na Estalagem de Santa Maria da Arrábida, no
Portinho da Arrábida, muito movimentada nesta quadra do ano), a dedicação do
irmão Sérgio à sua nova família e o facto de Joana Luísa, sua namorada, ainda
não estar com ele. …
Um pouco adiante, há ainda lugar para uma referência à
quantidade de mensagens chegadas: “tive, em todos os correios de férias, os
cartões das raparigas e dos rapazes. E a alegria é maior quando, como agora, se
lembram de mim os que eu menos contava que se lembrassem — e quando são os
alunos que o já foram os mais presentes. De alunos velhos, tive até hoje 21
cartões; de alunos de agora três apenas. Com que amor os guardo!” O Natal foi para
Sebastião da Gama uma quadra com tudo o que de mais espiritual, fraterno,
familiar e partilhável se possa imaginar, a acreditarmos nos registos que
deixou. É de 13 de Dezembro de 1941 um poema de três quadras, ainda inédito,
que intitulou “Carta de Boas Festas”, onde nos mostra o ambiente histórico,
económico e social que se vivia (estávamos em tempo da Segunda Grande Guerra),
ao mesmo tempo que nos deixamos deslumbrar com o sentido de humor e de
oportunidade que animava o jovem Sebastião, então com 17 anos:
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