Uma história alusiva a esta
tradição, escrita por um dos mais conhecidos autores portugueses de literatura
infanto-juvenil, António Torrado. A reler Histórias
de S. Martinho: António Torrado.
O céu estava cinzento e quase nunca aparecia o sol, mas enquanto
não chovia os meninos iam brincar para o jardim.
Um jardim muito grande e bonito, com uma grade pintada de verde
toda em volta, de modo que não havia perigo de os automóveis entrarem e
atropelaremos meninos que corriam e brincavam à vontade, de muitas maneiras:
uns andavam nos baloiços e nos escorregas, outros deitavam pão aos patos do
lago, outros metiam os pés por entre as folhas secas e faziam-nas estalar –
crac,crac - debaixo das botas, outros corriam de braços abertos atrás dos
pombos, que se levantavam e fugiam, também de asas abertas.
Era bom ir ao jardim. E mesmo sem haver sol, os meninos sentiam
os pés quentinhos e ficavam com as bochechas encarnadas de tanto correr e
saltar.
Uma vez apareceu no jardim uma menina diferente: não tinha
bochechas encarnadas, mas uma carinha redonda, castanha, com dois grandes olhos
escuros e brilhantes.
- Como te chamas? - perguntaram-lhe.
- Maria. Às vezes chamam-me Maria Castanha.
- Que engraçado... Maria Castanha! Queres brincar?
- Quero.
Foram brincar ao jogo do apanhar. A Maria Castanha corria
mais do que todos.
- Quem me apanha? Ninguém me apanha! Ninguém apanha a Maria
Castanha!
Ela corria tanto. Corria tanto que nem viu o carrinho do
vendedor de castanhas que estava à porta do jardim, e foi de encontro a ele.
Pimba! O saco das castanhas caiu e espalhou-as todas à reboleta pelo chão. A
Maria Castanha caiu também e ficou sentada no meio das castanhas.
- Ah. Minha atrevida! – gritou o vendedor de castanhas todo
zangado.
- Foi sem querer – explicaram os outros meninos.
- Eu ajudo a apanhar tudo. – disse Maria Castanha, de
joelhos a apanhar as castanhas caídas.
E os outros ajudaram também. Pronto. Ficaram as castanhas
apanhadas num instante.
- Onde estão os teus pais? – perguntou o vendedor de
castanhas à Maria Castanha.
- Foram à procura de emprego.
- E tu?
- Vinha à procura de amigos.
- Já encontraste: nós somos teus amigos – disseram os meninos.
- Eu também sou – disse o vendedor de castanhas.
E pôs as mãos nos cabelos da Maria Castanha, que eram
frisados e fofinhos como a lã dos carneirinhos novos. Depois, disse:
- Quando os amigos se encontram, é costume fazer uma festa.
Vamos fazer uma festa de castanhas. Gostam de castanhas?
- Gostamos! Gostamos! – gritaram os meninos.
- Não sei. Nunca comi castanhas, na minha terra não há. – disse
Maria Castanha.
- Pois vais saber como é bom.
E o vendedor deitou castanhas e sal dentro do assador e
pô-lo em cima do lume. Dali a pouco as castanhas estalavam… Tau! Tau!
- Ai, são tiros? – assustou-se a Maria Castanha, porque vinha de
uma terra onde havia guerra.
-Não tenhas medo. São castanhas a estalar com o calor.
Do assador subiu um fumozinho azul-claro a cheirar bem. E
azuis eram agora as castanhas assadas e muito quentes que o vendedor deu à
Maria Castanha e aos seus amigos.
- É bom, é. – ria-se Maria Castanha a trincar as castanhas
assadas.
- Se me queres ajudar, podes comer castanhas todos os dias.
Sabes fazer cartuchos de papel?
A Maria Castanha não sabia mas aprendeu. É ela quem enrola
o papel de jornal para fazer os cartuchinhos onde o vendedor mete as castanhas
que vende aos fregueses à porta do jardim.
António Torrado, Maria Castanha
Ilustração: Cristina
Malaquias
Sem comentários:
Enviar um comentário